Aliás, nem sempre ter um direito implica poder exercê-lo...
Muitas são as vezes em que se
colocam aos advogados questões que já não podem ser resolvidas pelo facto de os
constituintes terem deixado passar o prazo para as resolverem.
Refiro-me aos casos em que, não
obstante existirem os direitos invocados pelos constituintes, os mesmos já não
possam ser invocados pelo decorrer do tempo.
Pois, raras não são as vezes em
que as pessoas, pelas ligações profissionais, afectivas, económicas ou outras, demoram
a intentar as devidas ações judiciais para fazerem valer os seus direitos.
Ora, a Justiça não se compadece
com inércias, mais ou menos fundamentadas.
De facto, existe um princípio
fundamental da Justiça que é o princípio da segurança jurídica. Este princípio,
na sua dimensão subjectiva, fundamenta-se na necessidade de apaziguação das
relações sociais através da estabilidade, estabelecendo-se, assim, um mínimo de
certeza na regência da vida social.
E, como corolário desse mesmo
princípio de segurança jurídica, foi criado o instituto da prescrição que, nos
termos de Aníbal de Castro em “Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência”
– pág. 27, tem por fundamento específico a recusa de proteção a um
comportamento contrário ao direito, a negligência do titular, e ainda a
necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por
parte do sujeito passivo da relação jurídica.
Vejamos o que diz a lei.
O artigo 304º, nº1 do Código
Civil estatui que completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de
recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao
exercício do direito prescrito.
O prazo da prescrição começa a
correr quando o direito puder ser exercido – artigo 306º do Código Civil.
Mas, será que não há forma de
estancar os efeitos do decorrer do tempo? Não haverá forma de interromper o
prazo prescricional?
Desde logo, existem duas formas
extrajudiciais de interromper a prescrição que consiste no reconhecimento do
direito, efetuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito
pode ser exercido – artigo 325.º do Código Civil – sendo a confissão de dívida
o exemplo mais relevante. A outra forma consubstancia-se no compromisso
arbitral.
Quanto às formas judiciais, de
fazer interromper o prazo prescricional, nos termos do artigo 323.º, nº1 do
diploma legal referido, são elas a citação e a notificação judicial de qualquer
ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja
qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja
incompetente.
Mas, quer a citação quer a
notificação judicial implicam têm de ser feitas com a antecedência de pelo
menos cinco dias antes da decorrência da prescrição. Sendo que o mesmo se
aplica nos casos de compromisso arbitral – artigo 324.º, n.º 2 do Código Civil.
E se a citação ou a notificação
judicial ocorrem depois do prazo prescricional?
Imagine-se por exemplo uma
dificuldade ligada ao próprio funcionamento ou organização do tribunal, ou a
dificuldade em contactar com o destinatário da citação ou notificação judicial.
Neste caso, segundo o vertido no
nº 2 do já citado artigo 323º do Código Civil, se a citação ou notificação se
não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não
imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram
os cinco dias.
Face a estas regras, para que
ocorra a interrupção da prescrição, o Autor deve intentar a ação ou requerer a
notificação judicial pelo menos até cinco dias antes de se esgotar o prazo
prescricional.
Mas, se a citação e a notificação
judicial não forem apresentadas até cinco dias antes do esgotamento do prazo
prescricional?
Nessa situação, o Direito ainda
prevê uma solução: o pedido de citação prévia – artigo 478.º do Código de
Processo Civil.
Uma questão que se tem colocado
tem a ver com o facto de se pedir a citação prévia relativamente a ações
intentadas até cinco dias antes da ocorrência da prescrição.
Em resposta, bastará ler o já
citado artigo, 323º nº2 Código Civil, exige apenas duas coisas para que a ocorra
a interrupção da prescrição: a citação deve ser requerida cinco dias antes do
decurso do prazo prescricional e não deve existir nenhuma causa imputável ao
requerente que obste à citação.
Como se refere no Acórdão da
Relação de Lisboa de 6/12/2001, in CJ, Ano XXVI,Tomo V, pág.104, a nossa
jurisprudência tem entendido que o credor, no exercício do seu direito, não tem
de prevenir as dificuldades que podem advir da orgânica judiciária, da
regulamentação legal vigente quanto ao processamento das ações e das realidades
práticas, para o bom andamento do seu pedido de citação do devedor.
Acrescenta-se ainda que se trata
de dificuldades que, mesmo pressupondo um bom funcionamento da máquina
judiciária, levam a que nunca ou quase nunca uma citação seja feita até ao
quinto dia posterior à dedução do respetivo requerimento, considerados os
prazos de que dispõem as secretarias para a prática dos atos necessários.
Face a esta realidade bem
conhecida do legislador temos de entender que a não efetivação da citação no
prazo de cinco dias só se pode considerar imputável ao requerente se este
infringir alguma obrigação legalmente imposta para a formulação do respetivo
pedido.
A lei, não exige ao requerente,
uma diligência excecional exigindo-lhe apenas que requeira a citação cinco dias
antes do decurso do prazo prescricional e que cumpra as obrigações legalmente
impostas para a formulação do respetivo pedido.
Assim, não é exigível que o
requerente, nestas situações, utilize o mecanismo da citação urgente prevista
no já citado artigo 478º do Código de Processo Civil.
A citação urgente deve sim ser
utilizada nos casos em que o Autor requeira a citação sem respeitar o prazo de
cinco dias a que se refere o artigo 323º, nº2 do Código Civil.
Diga-se ainda que o facto da ação
dar entrada no tribunal durante as férias judiciais, por exemplo, é
absolutamente irrelevante, pois as dificuldades que daí pudessem advir não
podem ser imputadas ao Autor, por estarem relacionadas com a orgânica
judiciária.
Concluindo, podemos afirmar que
apenas podemos exercer um direito enquanto ele não prescrever e, para fazermos
interromper a prescrição desse mesmo direito, apenas temos duas formas para o
fazermos: requerer a citação ou a notificação judicial de quem se encontra em
incumprimento até cinco dias antes do prazo prescricional. Se não for possível,
podemos ainda requerer a sua citação prévia.
Só desta forma, podemos interromper
a prescrição, isto é a inutilização do prazo já decorrido.
Pois, a interrupção do prazo faz
começar a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo, todavia
do disposto nos nº 1 e 3 do artigo 327º - artigo 326º do Código Civil.