segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Reconhecimento da idoneidade para concessão de licença de uso e porte de arma

Segundo o disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, as licenças C e D, em que se inclui a licença para uso e porte de arma destinada em especial à caça, podem ser concedidas a maiores de 18 anos que, entre outras condições cumulativas, sejam idóneos.

E essa mesma idoneidade afere-se tendo em conta o vertido no artigo 14.º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma legal - cf. n.º 2 do artigo 15.º supra referido. Assim, se se encontrar transcrita no registo criminal alguma decisão judicial condenatória do requerente da licença, estipula o n.º 3 do citado artigo 14.º que, no decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo dessa mesma inscrição, pode ser-lhe reconhecida a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação mediante parecer favorável do Ministério Público que, para o efeito, procede à audição do requerente, e determina, se necessário, a recolha de outros elementos tidos por pertinentes para a sua formulação.


Ora, o juízo de prognose quanto à idoneidade do requerente deve ser não somente um juízo subjectivo, relacionado com a personalidade do requerente, devendo este ser uma pessoa socialmente inserida, que não apresente quaisquer perigos para a sociedade, ou para quaisquer bens jurídicos legalmente protegidos e que tenha os conhecimentos técnicos necessários para o manuseamento das armas para cujo uso e porte se destine a licença.


Mas esse mesmo juízo deve ser também de natureza objectiva. Pelo que, por um lado, deve atender-se à tipologia do crime pelo qual o requerente foi condenado, designadamente, cumpre verificar se o crime em causa foi praticado no uso de uma qualquer arma. E, por outro lado, deve ter-se me conta que a remissão feita pela legislação aplicável - supra referida - ao artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, proíbe que seja dada uma outra interpretação que não seja a de não condenar, por força da lei, a uma pena diversa da especificamente prevista para o tipo legal de crime praticado. Ou seja, os efeitos da condenação devem ser os previstos para a prática do crime em causa e não uma pena adicional que consistiria na proibição do uso e porte de arma. Pois, para que se determine outros efeitos das penas, para além dos especificamente previstos para a prática de qualquer crime, é necessário que, para tanto, haja verdadeira e consistente fundamentação judicial, atendendo a subjectividade apresentada pelo agente em causa.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Evolução da despenalização do crime de burla de confiança fiscal (artigo 105.º, RGIT)


Nos termos do disposto no artigo 105.º, RGIT - Regime Geral das Infracções Tributárias -, constitui crime de burla de confiança fiscal a omissão de não entregar à administração fiscal uma prestação tributária que o agente deduziu nos termos da lei como substituto tributário, e que estava, também nos termos da lei, obrigado a entregar em determinado prazo - o prazo de entrega que a lei fixa para cada tipo e espécie de prestação deduzida. Assim, na medida em que se trata de uma infracção omissiva pura, consuma-se com a não entrega, dolosa, nos termos e no prazo da entrega fixado para cada prestação - art. 5.°, n.º 2, do RGIT.
Todavia, o crime em causa tem vindo a ser objecto de sucessivas e relevantes despenalizações.
De facto, a Lei de Orçamento para 2007, a Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, procedeu a uma primeira despenalização relativamente ao tipo legal de crime de burla de confiança fiscal, porquanto acrescentou dois requisitos alternativos objectivos de punibilidade segundo os quais para que a omissão de entrega das prestações à administração tributária seja punível é necessário que tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega de prestação (al. a), do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT) ou “se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos respectivos juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito” (al. b), da mesma disposição legal).
E a Lei de Orçamento para 2009, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, procedeu a uma nova descriminalização relativamente à omissão de entrega à administração fiscal das prestações tributárias a que legalmente o agente se encontra obrigado. Pois, doravante, nos termos do vertido no n.º 1 do artigo 105.º do RGIT, só é punível a omissão de entrega à administração tributária de prestação tributária de valor superior a € 7 500 (sete mil e quinhentos euros).
Ora, as alterações feitas devem-se à teleologia do próprio Regime Geral das Infracções Tributárias e, em particular, às razões subjacentes ao tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal. E essas mesmas razões são não somente razões de política criminal, mas também razões de política administrativa. Assim, na medida em que o interesse primordial do Estado consiste em ser ressarcido dos valores tributários que lhe são devidos, mesmo que fora de prazo, na medida em que é necessário incentivar ao pagamento das prestações em falta, na medida em que se pretende evitar custos que o procedimento criminal acarreta para a administração fiscal e ainda na medida em que é necessário prever um lapso temporal que permita à administração fiscal o tratamento das informações fiscais relevantes para o efeito, o legislador tem vindo a proceder à alteração do artigo 105.º do RGIT, como supra se referiu.
Pelo que, presentemente, a redacção do artigo 105.º do RGIT é a seguinte:

Abuso de confiança
1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
(Redacção dada pelo artigo 113.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro)



2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.


3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.


4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;


b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. (Red. Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro)


5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.


6 - (Revogado pelo artigo 115.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro)


7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.